Na segunda postagem da série AS OBRAS DA CRIANÇA, apresento quatro imagens na seguinte sequência: a primeira uma obra de 1919 do artista Raoul Hausmann intitulada ‘Cabeça Mecânica’ (O espírito de nossos tempos); a segunda um objeto construído por uma criança de 09 anos com o título de ‘Robô’ (cabeça que atira plasma); a terceira uma escultura de Max Ernst feita em 1948 intitulada ‘Capricórnio’; a quarta uma peça de uma menina de 09 anos intitulada ‘Casa do Rei’.
Todas as quatro obras apontam um fio interpretativo. Seja tal interpretação pela via poética; seja pela argumentação hermenêutica; seja um simples cruzamento do aspecto morfológico (formal das obras) ou mesmo pela identificação de padrões semióticos, temos aqui imagens que acionam nossa imaginação criadora.
Ideários surgem quando observamos cabeças de poder, cetros, tronos, evocação à realeza, à altivez, ao controle, ao domínio.
DOMÍNIO pode ser uma insígnia, um desejo, ou como queria Schopenhauer, uma consequência sub-reptícia da vontade. Uma ferida na carne. Um fardo humano. Nas gradações das ideias sobre domínio podemos também apurar delicadezas.
Patriarcado, doutrinação religiosa, homogeneização da linguagem, tirania, institucionalização das afeições e dos saberes, medicalização dos corpos e das idades, informação, publicidade, xenofobia, misoginia, hipertrofia da razão, conceituação de quase tudo, e tantos outros conceitos delatores do CÁRCERE, são as pedras mais brutas que logo surgem no terreiro das associações ao controle, ao domínio.
Contudo, na vastidão anímica de cada palavra, o dito torto - nele próprio - sempre contém um germe de livramento.
Domínio também é poder de Si para consigo. Escrevo aqui, hoje, num domingo. Dominus. Dia do Senhor para os cristãos. Senhor que para o ser assim reconhecido, antes, dominou a Si. Fato raro e duvidoso para nossas mentalidades colonizadas pela frouxa vida moderna, pelo ininterrupto fluxo do mundo conectivo, por moitas conceituais, doutrinárias e cibernéticas que servem para nos escondermos de nós.
Raoul Hausmann com sua ‘Cabeça mecânica’, capturou lá no começo do século XX, o espírito de nossos dias. O menino de 09 anos com seu ‘Robô’ de cabeça de plasma, disse-me que o plasma lançado controla e transforma tudo em qualquer coisa.
A força está na cabeça. Intelectualismo, cerebralizarão, inconsciência do corpo, excesso de informação.
A cabeça configura a força. Conhecimento. Saber. Reflexão. Inteligência criadora. Sabedoria que aponta um corpo como território inteiro de memória.
A ‘Casa do rei’ da menina de 09 anos e o ‘Capricórnio’ do mestre surrealista Marx Ernst sugerem (dentre tantas possíveis leituras) o domínio cristalizado se deslocando para outros campos de atuação.
O feminino e seu lugar na vida coletiva, de governança sobre terrenos outrora usurpados (o rei da menina é rainha). O cetro ganhando novas feições de cuidado (criança e cachorro no trono junto ao capricórnio). E mesmo se atualizando para sentidos arcaicos de transformação, abertura de novos canais de consciência.
As crianças estão em sintonia com a transformação dos tempos. Não só por estarem no cotidiano e perceberem o que o mundo diz. Mas por sentirem de suas entranhas, de seus corpos, das forças vitais que atuam nelas para lhes garantir sustentação nessa época de descolamentos geológicos
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