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  • Foto do escritorGandhy Piorski

A criança e o quarto


O quarto alcança a expressão de maior maternidade da casa. É o abraço da casa.

Quando nascemos nosso centro espacial é o quarto. Todos os outros espaços transformam-se em pontes que desembocam no quarto do recém-nascido.

Lá está o segundo lugar de contenção primordial depois, é claro, dos braços da mãe: o berço.


Quando se prepara a chegada de uma criança se pensa em espaço. Onde ficará? Como será o quarto? Uma renovação afetiva que comete a todos se instaura num lugar, num centro: o quarto.

É no aconchego desse lugar de chegada onde se AJUNTA o essencial à criança.

Quando voltamos a estes quartos, na maioria das vezes estamos sós.

Os momentos mais bem guardados são os de nossa solidão.

Os espaços de nosso quarto, nas gavetas, nos armários, debaixo da cama, por entre os brinquedos, cada coisa ali, se alcançada hoje por nossa memória, quando tocada por nossa lembrança, asperge um sentimento de um tempo, uma aspiração.

Uns desejavam logo crescer, outros nunca deixar de ser criança, alguns muito queriam que os pais se unissem, outros (como eu) desejavam ardentemente que a escola não os tirasse de seus sonhos mais doces e lentos, e muitos, muitos de nós, nutriam a esperança de que os seres benéficos livrassem as longas noites de pesadelos. Pois, crianças dadas a pesadelos sabem bem de seres malévolos. E as paredes de seus quartos, alguns brinquedos específicos, o cheiro do travesseiro, são cúmplices dessas tensões imorredouras.

Esses sentimentos podem ser RESTAURADOS em nós ou - para nosso bem - novamente narrados, se trabalharmos no recordar.

Eles estão guardados no nosso quarto. Estão lá, agora, é só se pôr na contínua e glutinosa façanha de rememorar.

Em quantos quartos nossa criança se criou? Por onde entrava a luz? Onde ela tocava no espaço do quarto? Onde ficava nossa cama? E os brinquedos?

Logo nos vemos em solidão quando entramos nos poros desse espaço, fazendo eclodir deles diversas impressões e auras do tempo.

A solidão na infância é fundamental para que ela infiltre seu SER nos poros dos espaços.

Quarto, espaço de recolher o Ser. Para alguns, de ENCOLHER o Ser. Portanto, núcleo de nosso destino.

Os quartos de nossas infâncias estão lá. Lá e agora. Quem os visitará?


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